Arqueologia

As pinturas rupestres de Morro do Chapéu

Carlos Etchevarne - Prof. de Arqueologia da UFBA

O município de Morro do Chapéu apresenta-se, hoje, como um dos territórios baianos mais ricos em termos de representações de arte rupestre, tal é um número de locais com esse tipo de manifestações culturais, que nele se encontram. Até o momento não se conseguiu conhecer o número exato de sítios, já que precisaria ser efetuada uma varredura sistemática em todo o território municipal, incluindo os locais de difícil acesso, que se têm notícias. Não obstante, os sítios já cadastrados e os já informados por moradores morrenses demonstram a alta potencialidade da região neste tipo de manifestações gráficas.

Os grafismos rupestres são considerados, convencionalmente, como importa ntes vestígios correspondentes a populações indígenas pré-coloniais, que habitaram aquela área, em diferentes momentos. Esses vestígios podem ser classificados como pinturas (quando há aplicação de pigmentos) ou como gravuras (quando se modifica a superfície rochosa, a partir de incisões ou percussões). Ambas as técnicas foram utilizadas em Morro do Chapéu, pelos grupos pré-coloniais, ainda que as pinturas sobressaiam numericamente.

Os suportes rochosos das pinturas e gravuras estão diretamente relacionados à natureza pétrea, segundo se trate de arenitos ou de calcários, posto que cada um deles oferece um tipo de habitat diferente.  Os modelamentos dos afloramentos areníticos, especialmente os silicificados, se apresentam com formato de “cogumelos”, que têm na base deles marcadas reentrâncias que serviram de abrigo a grupos não muito numerosos. As paredes e às vezes os tetos desses abrigos foram utilizados para plasmar motivos pintados. Exemplos deles são os que se encontram na Lagoa da Velha e em Ventura ( Toca da Figura e Toca do Pepino). As gravuras também foram realizada sobre lajedos areníticos, como em Lajedo Bordado, à beira de um riacho que banha os motivos, quando transborda na época de chuvas.

Por sua vez, nos calcários as cavidades podem ser mais profundas e mais amplas, mas os registros gráficos somente se apresentam nas partes mais iluminadas pela luz natural. Nos abrigos calcários, paredes e tetos estão pintados com elementos predominantemente geométricos, com várias cores (policromia), como acontece em Espinheiro ou nas proximidades da Gruta de Brejões.

Os motivos representados são normalmente classificados em antropomorfos (figuras humanas), zoomorfos, (animais), fitomorfos (vegetais) e geométricos, quando não existe a possibilidade de ser reconhecida alguma das figuras enquadradas nas categorias anteriores. Os traços particulares com que são realizados os motivos gráficos dependem, a priori, do grupo social e do contexto histórico. Desta maneira são reconhecidos estilos gráficos em que são utilizados com dominância algumas das quatro categorias classificatórias.  Em Morro do Chapéu, por exemplo, estão particularmente presentes figuras antropomorfas e zoomorfas de tamanho pequeno, que registram atitudes individuais e situações grupais, com bastante naturalidade. São normalmente composições cenográficas, em que predomina a narrativa de fatos e o movimento. Por isso foram denominados grafismos de ação. Ademais elas estão mostrando elementos de uso do cotidiano, como lanças, flechas, propulsores, fundas, tacapes, cocares, redes, cercas, cestas, etc.  Estas representações aparecem sempre em posição cronológica mais antigas, ou seja são as primeiras a terem sido pintadas. Motivos antropomorfos e zoomorfos menos detalhistas, com muita rigidez (sem indicadores de movimento) que parecem ter sucedido aos de caráter mais naturalísticos. Por último, são os elementos geométricos, de todos os tipos (com pontos, linhas e planos), com alto grau de abstração, pelo menos para a sociedade contemporânea, que aparecem pintados sobrepondo-se aos anteriores estilos, o que indica corresponder a momentos pictográficos, mais recentes.

 

" Lajedo Bordado: um rio de gravuras"
Fabiana Comerlato
www.ufrb.edu.br/reconcavoarqueologico
Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA (UFRB)
 
 
O Lajedo Bordado é o maior sítio de gravuras rupestres conhecido no Estado da Bahia. Trata-se de um lajedo em rocha de arenito silicificado, às margens do rio Salitre, rodeado por vegetação de caatinga, situado no município de Morro do Chapéu. O maior conjunto de gravuras chega a ter 1.200m2 com até 100 figuras por metro quadrado. A técnica de confecção das gravuras foi o picoteamento, aparecendo poucas gravuras feitas por raspagem.

 As representações rupestres identificadas foram: pontos, cúpulas e sulcos; circunferências; linhas retas; linhas curvas onduladas; linhas retas convergentes; áreas cheias; linhas retas paralelas em ângulo agudo e obtuso com reflexão de espelho; sáurios; pegadas de aves; pegas de mamíferos; representações humanas segmentadas; instrumentos e outros.

Entre 2005 e 2006, no âmbito de pesquisa de estágio pós-doutoral na UFBA, realizou-se o registro de 310m² da maior área do sítio, contribuindo para um maior entendimento de como as populações pré-coloniais da Chapada Diamantina utilizavam os lajedos para perpetuar um código visual próprio.O local sofre ação de agentes naturais (erosão fluvial) e antrópicos (pisoteamento e vandalismo). É urgente que se tome consciência da importância deste sítio e lute por sua preservação.

 

Arqueologia urbana em Morro do Chapéu  

Carlos Etchevarne - Prof. de Arqueologia da UFBA

 

O município de Moro do Chapéu apresenta condições ideais para o desenvolvimento de programas de pesquisas em Arqueologia, voltados para núcleos urbanos. De fato, se considerarmos a Arqueologia Urbana como um campo de trabalho científico que objetiva compreender os processos históricos acontecidos no âmbito das cidades, Morro do Chapéu tem um potencial extraordinário no espaço da Vila de Ventura. Este núcleo urbano que teve se apogeu no final do século XIX e início do XX, entrou em declínio ao ponto de ficar quase totalmente abandona, com exceção de uma única família que permaneceu resistindo às condições de isolamento, e vê hoje iniciar um lento movimento de repovoamento.

 Um programa de pesquisas arqueológicas deveria considerar, a fortiori, aspectos gerais vinculados à inserção da Vila de Ventura na paisagem (topografia, hidrografia, clima, ventos, entre outros) atentando para a rede de locais que seus moradores utilizavam para a comunicação terrestre, a diversificação de áreas do ponto de vista funcional (habitação, serviços, comércio, lazer, ritualística, etc),  os eixos viários internos, os pontos de convergência de grande sociabilidade, os tipos de materiais construtivos, a tipologia de casas e de outros edifícios e, naturalmente, os vestígios materiais móveis que se relacionam com o dia a dia dos seus moradores. As áreas de descarte (ou seja, depósitos de elementos residuais domiciliares ou coletivos) são, sem lugar a dúvidas, áreas de enorme potencial informativo, já que apontam para aspectos comportamentais dos seus moradores, como hábitos consuetudinários, modismos ou, então, uso efêmero de alguns elementos) , para as inter-relações com outras áreas da Bahia, e, ainda, a distinção entre os grupos sociais da vila.

Ademais, em se tratando de um núcleo urbano que surge em momento da exploração do diamante, poderiam ser reconstruídos os itinerários percorridos pelos garimpeiros, diária ou sazonalmente, assim como os próprios locais onde se encontravam os equipamentos de extração diamantífera. Enfim, a Vila de Ventura tem muito para oferecer em testemunhas materiais de um momento histórico áureo que projetou a Chapada Diamantina no cenário econômico internacional, entre finais do século XIX e inicio do XX. 

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