Octaviano
Gonçalves de Oliveira
Décadas atrás, nos anos 1950 e 1960, nossa cidade tinha algumas figuras humanas
emblemáticas que ficaram na minha memória e certamente são lembradas por muitos
dos meus contemporâneos. Uma destas figuras era um morrense
simples, conhecido por todos como Manezinho de Cera, um negro alto e
calmo, um tanto falante e simpatizado por todos.
Salvo engano, esse seu apelido era porque ele fazia panelas e outros
artefatos de barro. Mas, o que o tornou conhecido foi por ele vir à cidade para
vender o tucum, ou simplesmente trocar por comida esse tipo de coco rasteiro
encontrado principalmente nos arredores do Morrão, lugar onde ele morava com
sua grande prole, uma vez que a cada ano nascia um rebento por ele gerado. Se essa
situação ocorresse nos dias atuais, ele e a sua família com certeza nem
precisariam sacrificar-se para andar duas léguas para vender essa espécie de
fruto silvestre, pois, a sua família poderia receber uma boa quantia do Programa
Bolsa Família e assim poderia não ocorrer, porque os seus filhos não
frequentavam a escola.
Geralmente aos sábados, dia de feira, ele aparecia na cidade percorrendo
as principais ruas vestindo sempre um paletó de brim ou de linho
conseguido por doação, com os pés descalços e carregando pendurado no ombro um
saco de pano encardindo, dentro do qual trazia os tucuns, que só são consumidos
quando estão bem duros, quando é exigido grande esforço para serem quebrados.
Tanto assim, contam algumas pessoas, que uma senhora um dia perguntou-lhe, sem
citar o nome do quê, se ele trazia (o tucum), ao que prontamente ele respondeu
“Dona Fulana, o que a senhora quer ainda está mole”. Diziam alguns que ele
mesmo falava sem nenhum constrangimento, que quando tinha necessidade de sair
com a esposa e não tinha com quem deixar os filhos pequenos de braço e
engatinhando, deixava-os em um buraco cavado para esse fim para eles não
fugissem enquanto o casal estivesse fora, possivelmente devido a sua casa humilde
não ter portas para serem fechadas.
Lembro-me bem que ele era muito procurado por pessoas interessadas em
um arrumar menino para ajudar à família. E quando perguntavam se ele tinha
algum filho para morar com uma família, ele respondia: “Ainda não tenho, mas
vou providenciar um para nos próximos anos dar ao senhor”. Era ele famoso por
ser tido como um varão que todo ano gerava um filho, quase todos eles doados a
famílias para serviços semiescravos. Entregar um filho parecia ser para ele lucro
por ser menos um para ser alimentado, o que podia acontecer naturalmente porque
naquela época o ordenamento jurídico brasileiro ainda não tinha o Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, que nos dias atuais amparam os direitos dos menores.
Antes de entrar em vigência esse Estatuto, as crianças pobres, principalmente
as negras como eram os seus filhos, trabalhavam para receber apenas a comida,
algumas poucas peças de roupa e ser paga vez por outra uma pequena quantia para
ele, o pai.
Das pessoas simples da cidade de Morro do Chapéu, do meu tempo de
criança, lembro de algumas que se tornaram figuras públicas. E Manezinho
de Cera é uma delas. Merece ser homenageado.